REINVENTANDO A PAZ
Luci Léa Lopes Martins Tesoro
Diante do mundo globalizado em que vivemos,
acreditar na família torna-se algo utópico para algumas pessoas. De
outro lado, sabe-se que a família foi e sempre será o fundamento da sociedade e
que cada uma carrega em si características que as tornam únicas dentro do
tecido social. Porém, o mais fascinante é saber que a família não nos é dada
pronta, pois ela, igual às sementes, necessita de cuidados constantes para
crescer e desenvolver-se. Sem dúvida, este se constitui no grande desafio da
humanidade.
Assim, mais do que um núcleo de
convivência de pessoas que compartilham do mesmo teto, as famílias têm que
estar unidas por laços afetivos, por relações de amor, responsáveis pela base e
pelo processo de construção da verdadeira família.
Em
relação ao amor dos pais para com seus filhos, o escritor José Saramago é
contundente: “Filho é um ser que nos emprestaram para um curso intensivo de
como amar alguém além de nós mesmos, de como mudar nossos piores defeitos para
darmos os melhores exemplos. Ser pai ou mãe é o maior ato de coragem que alguém
pode ter, porque é se expor a todo tipo de dor, principalmente da incerteza de
estar agindo corretamente”.
Por esse prisma esboça-se o problema da grande
maioria dos pais hoje que é a dificuldade de impor limites; limites que
estimulam o filho a crescer enquanto pessoa, que geram segurança, que repassam
valores, que despertam o respeito aos direitos do próximo e que estabelecem a
consciência de seu próprio ser.
Içami Tiba afirma que faz parte do instinto de
perpetuação os pais cuidarem dos filhos, porém, atualmente nas escolas e em
casa, os pais/educadores não sabem mais como fazer para que as crianças sejam
disciplinadas. Ele frisa que, recuperar a autoridade fisiológica não significa
ser autoritário cheio de desmandos, injustiças e inadequações. “O que
verificamos atualmente é que um grande número de pais acredita no falso mito da
liberdade total, sendo que a permissividade dos pais será sentida pelos filhos
como desinteresse, abandono, desamor, negligência. Enfim, a família tem a
função de sociabilizar e estruturar os filhos como seres humanos”.
Tiba
conclui que a família é o âmbito em que a criança vive suas maiores sensações
de alegria, felicidade, prazer e amor, o campo de ação no qual experimenta
tristezas, desencontros, brigas, ciúmes, medos e ódios. Uma família sadia
sempre tem momentos de grata e prazerosa emoção alternados com momentos de
tristeza, discussões e desentendimentos, que serão reparados através do
entendimento, do perdão, tão necessário, e da aprendizagem de como devemos nos
preparar adequadamente para sermos cidadãos sociáveis. Porém, o que faz a
diferença é a capacidade de a família estabelecer vínculos afetivos, unindo-se
no amor e nas frustrações.
O
fato é que, nos lares, pais e filhos deveriam viver o verdadeiro uso da palavra
“amar”, que é o relacionar-se com igualdade de consideração, sem superioridade
ou inferioridade, sendo tolerantes às falhas e diferenças, não fazendo aquilo
que não gostaria que fizessem comigo (Elaine Ribeiro). Assim, desapareceriam os
níveis de pressão e de violências domésticas (sexual, física, psicológica) que
geralmente colocam em risco o processo de desenvolvimento saudável da pessoa.
Em contrapartida, haveria de prevalecer indivíduos cooperadores (preocupados
uns com os outros) sobre os entes destruidores - agentes de “cultura de
violência”, que agem através da opressão e intimidação, pelo medo e pelo
terror.
No Brasil hoje, não há como se pensar
em soluções para a violência sem considerar algumas questões, tais como: o
nível de capacidade de filhos e pais lidar com frustrações; os valores
transmitidos em casa, na escola e na mídia (televisão e internet); a qualidade
das relações familiares, onde as mães acabam por não participar da criação de
seus filhos, pois precisam trabalhar fora para garantir o sustento da família;
o vício e malefícios do álcool e do abuso de drogas; o baixo poder aquisitivo;
a falta de escolaridade; a carência de uma política pública relativa à saúde, moradia,
aposentadoria, segurança; o sistema carcerário que castiga, mas não recupera; a
banalização de comportamentos violentos especialmente entre os jovens através
da proliferação de gangues, violência no esporte e nos bailes.
Ariel de Castro Alves afirma que, jovens
estudantes que constroem a própria identidade baseada em uma hegemonia de
valores que privilegiam a competição, o materialismo e a intolerância, e,
influenciados pelos desafios das ruas, pela lei das “galeras”, confundem
“atitudes pacíficas” com “covardia” e “violência” com “coragem”. Tal
entendimento tem gerado comportamentos e culminado em aumento de casos de
roubos, furtos, seqüestros, homicídio, terrorismos, intimidação, envolvendo principalmente jovens em idade
escolar.
A
incidência desses crimes violentos no país, a despeito do aumento do efetivo policial e da repressão, despertou um sentimento de que alguma coisa
deve ser feita. Faz-se necessário construir uma “cultura de paz”, que é
algo que exige permanente diálogo para inverter os valores que levam à
violência, como o individualismo, a competição, o ódio e o preconceito.
É preciso se forjar um mundo mais
digno e harmonioso, transformar a paz
em uma cultura, mudar a maneira de as pessoas se relacionarem, colocando a paz
como uma questão de postura e de respeito. Segundo o pensador Boaventura de Souza Santos, a educação é
como um mapa na transição paradigmática de uma “cultura da violência” para
uma “cultura de paz”.
Engaje-se nessa luta, porque a construção da
"cultura de paz" depende de cada um: começa em casa, desloca-se para
a escola, para o trabalho, para as baladas, reflete na política e resulta na
sociedade que desejamos e queremos ter!